Artigo por Cynthia Catlett (VP da Charles River Associates no Brasil) e Valentin Estevez (VP, Labor e Employment da Charles River Associates)
A nova lei de equidade salarial do Brasil (Lei nº 14.611/2023) representa um esforço significativo para chamar a atenção sobre possíveis desigualdades salariais entre homens e mulheres. Esta lei exige que as empresas ofereçam remuneração igual para empregados que desempenham a mesma função ou trabalho de valor igual. No entanto, identificar as verdadeiras disparidades salariais entre indivíduos que realizam trabalhos semelhantes é mais complexo do que simplesmente comparar salários médios. Em muitos casos, uma simples comparação de compensações médias pode sinalizar uma disparidade que, na realidade, não existe, enquanto disparidades reais podem permanecer ocultas. Para explorar essas nuances, vamos considerar dois casos hipotéticos e como diferentes conceitos econômicos — como médias, medianas e médias ponderadas ajustadas — podem influenciar nossa compreensão da equidade salarial.
Sob a nova lei, empresas com 100 ou mais funcionários são obrigadas a publicar relatórios semestrais detalhando se existem disparidades salariais entre os gêneros com base em comparações salariais simples e amplas. Embora a lei em si não especifique o uso de uma única medida estatística, como “salário médio ajustado”, a exigência de fornecer esses relatórios implica que a empresa precisará realizar uma análise detalhada dos dados, incluindo a análise de tendências gerais e funções de trabalho específicas.
A lei enfatiza a equidade em vez das médias, sugerindo que as empresas devem avaliar se indivíduos que desempenham trabalhos de valor igual são compensados de forma justa, levando em conta fatores como habilidade, esforço e responsabilidade. Isso significa que as empresas devem ir além de comparações superficiais e examinar salários por departamento, nível de emprego, experiência e qualificações, por exemplo.
Se uma disparidade inexplicável for encontrada, a empresa é obrigada a implementar um plano de ação para abordar e corrigir essas desigualdades dentro de um prazo específico. Esse processo pode envolver o uso de várias ferramentas econômicas e estatísticas para avaliar as práticas salariais, incluindo médias, medianas e análise de distribuição, mas o foco continua em garantir que os funcionários em funções semelhantes recebam compensações equitativas.
Imagine uma empresa onde dois funcionários, João e Maria, trabalham em funções semelhantes. À primeira vista, João ganha mais que Maria, gerando preocupações sobre desigualdade salarial de gênero. No entanto, uma análise mais detalhada revela a complexidade da situação particular desses indivíduos.
João tem oito anos de experiência e assumiu projetos altamente especializados, enquanto Maria ainda está no início de sua carreira e trabalha apenas em tarefas de nível inicial. Usar a média (ou mediana) salarial para comparar seus ganhos, ignorando seus níveis de experiência e habilidade, dará a impressão de uma disparidade salarial. Contudo, esse método ignora fatores críticos como senioridade e nível de habilidade. Quando comparamos salários médios ou medianos dentro do mesmo intervalo de experiência, vemos que o pagamento de Maria está alinhado com o de seus pares – ou seja, aqueles que são novos na função como ela, mostrando que as diferenças de experiência e habilidade explicam a aparente disparidade, e não desigualdades salariais dentro do sistema de compensação da empresa.
Esse caso ilustra como confiar apenas em comparações salariais médias não ajustadas (ou seja, ignorando as habilidades e a experiência dos indivíduos) pode levar a conclusões falsas. A nova lei brasileira reconhece implicitamente isso ao exigir que as empresas analisem mais profundamente as práticas salariais, em vez de se concentrar apenas em médias simples.
Agora, vamos considerar outra empresa que parece ter equidade salarial. O salário médio geral de funcionários masculinos e femininos é quase idêntico, sugerindo paridade. No entanto, uma análise mais detalhada revela possíveis discrepâncias.
Ao segmentar os dados por departamento e nível de emprego, encontramos um padrão consistente: dentro do departamento de marketing, as mulheres parecem ganhar sistematicamente menos que seus colegas masculinos em funções semelhantes, apesar de terem as mesmas qualificações. Esse tipo de descoberta requer uma revisão adicional para desvendar a origem da diferença inexplicada. Erros de dados, um fator legítimo não contabilizado pelo modelo, ou indivíduos cuja compensação pode precisar de ajuste são algumas das possíveis explicações para essa descoberta. Apenas uma revisão minuciosa da pós-análise pode lançar luz sobre essa questão. O salário médio geral inicialmente ocultou essa disparidade inexplicada por causa de sua natureza agregada, influenciada pelo alto número de homens em funções seniores.
A ênfase da lei na remuneração por trabalho de valor igual destaca a importância de uma análise detalhada, semelhante ao uso de médias ponderadas ajustadas que consideram fatores de pagamento legítimos e a distribuição de salários em várias funções de trabalho. Essa abordagem garante que a empresa obtenha uma visão abrangente de sua situação de equidade salarial e que as desigualdades ocultas sejam identificadas e abordadas, alinhando-se à intenção da lei de promover uma verdadeira equidade salarial.
A lei de equidade salarial brasileira exige que as empresas vão além de comparações salariais superficiais e agregadas (e provavelmente não informativas). Ao examinar os dados com mais detalhe, incluindo funções de trabalho, qualificações e experiência, as empresas podem garantir práticas de compensação justas que recompensem os funcionários de acordo com suas contribuições para a empresa e que estejam em conformidade com os novos padrões. Essa análise aprofundada da equidade salarial não se trata apenas de cumprir requisitos legais, mas também de promover um ambiente de trabalho verdadeiramente equitativo.