Artigo por Carlos Bastos, Diretor Comercial e Marketing na Agora Distribuidora
Em um cenário no qual a sustentabilidade tornou-se uma exigência global — e os custos operacionais uma ameaça direta à rentabilidade — o setor de telecomunicações no Brasil passa por uma transformação silenciosa, mas profundamente estratégica. Provedores de Serviços de Internet (ISPs) estão adotando medidas para reduzir sua pegada de carbono, sem comprometer a expansão da conectividade. A mudança ocorre em um momento decisivo, quando o Brasil caminha para democratizar o acesso à internet e, ao mesmo tempo, assumir compromissos mais robustos em relação à preservação ambiental.
Nos últimos 20 anos, o número de usuários da internet no país saltou de 32 milhões, em 2005, para 141 milhões em 2024, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios. Isso representa 86% da população urbana conectada. Nas cidades, a presença da internet nos lares passou de 13% para 85%, enquanto nas áreas rurais, embora mais tímido, o avanço também foi expressivo: 74% das residências agora têm acesso à rede. Ainda assim, cerca de 29 milhões de brasileiros seguem desconectados, revelando que o desafio da inclusão digital permanece relevante.
Com esse crescimento da base de usuários, a demanda por infraestrutura de rede aumentou substancialmente, pressionando os ISPs a expandirem seus serviços. Porém, diferente de décadas anteriores, em que o foco era unicamente a cobertura, agora a pauta ambiental ganha protagonismo. A expansão precisa ser eficiente, mas também sustentável. Atentos a essa realidade, os provedores estão investindo em tecnologia e inovação para reduzir o impacto ambiental de suas operações — e, acima de tudo, garantir viabilidade econômica.
A verdade nua e crua é que a maioria dos ISPs está buscando soluções mais sustentáveis não apenas por ideologia verde, mas por necessidade. A conta de energia elétrica está sufocando a margem de lucro. Subestações, data centers, torres com rádio e ar-condicionado ligados 24 horas por dia representam uma carga pesada no orçamento. Além disso, o ICMS sobre telecomunicações é um dos mais altos do Brasil, chegando a 25% ou até 30% em alguns estados, pressionando ainda mais o OPEX. Nesse contexto, adotar uma infraestrutura eficiente, com menor consumo energético, tornou-se vital para garantir retorno sobre o investimento (ROI).
Ao mesmo tempo, programas de financiamento, incentivos fiscais e acesso a capital estão cada vez mais atrelados a compromissos ambientais, sociais e de governança. Estar alinhado com os pilares do ESG deixou de ser discurso institucional e passou a ser uma estratégia concreta de expansão. Provedores que adotam práticas sustentáveis têm mais chances de captar recursos, atrair investidores, firmar parcerias estratégicas e participar de editais públicos e fundos de inovação.
Esse movimento ganha força com o apoio de políticas públicas e investimentos direcionados à transformação digital do país. O Governo Federal anunciou que, até 2027, serão destinados mais de R$ 58,9 milhões a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica no setor de telecomunicações. No entanto, esse valor é irrisório diante da magnitude dos desafios e do que se investe em países como Estados Unidos, China e membros da União Europeia, onde os aportes em conectividade e sustentabilidade ultrapassam dezenas de bilhões de dólares por ano. Ainda assim, mesmo com recursos limitados, a iniciativa busca impulsionar não apenas a ampliação da conectividade, mas também a adoção de soluções mais limpas e eficientes.
Na prática, a sustentabilidade adotada pelos ISPs em 2025 se traduz em ações concretas. A migração para fontes de energia renovável, como solar e eólica, tornou-se uma prioridade. Muitos data centers e torres de transmissão já são parcialmente abastecidos por essas fontes, reduzindo significativamente a dependência de energia elétrica proveniente de combustíveis fósseis. Além disso, painéis solares vêm sendo instalados em infraestruturas próprias, contribuindo não apenas para a diminuição das emissões de carbono, mas também para a redução de custos operacionais e aumento da previsibilidade financeira.
Outro avanço relevante está na eficiência energética dos equipamentos. A modernização de roteadores, servidores e cabos ópticos possibilita um consumo muito menor de energia, ao mesmo tempo em que melhora a velocidade e estabilidade da conexão. Em paralelo, estratégias de virtualização e computação em nuvem reduzem a necessidade de servidores físicos locais, otimizando o uso dos recursos e diminuindo a pegada ambiental das operações. Além disso, ISPs estão integrando soluções inteligentes, como monitoramento remoto e redes autogerenciadas, que aumentam a automação e reduzem a necessidade de visitas técnicas — outro ganho em eficiência e redução de custo operacional.
A modernização da frota operacional, com a adoção de veículos elétricos ou híbridos, também desponta como um diferencial competitivo. Com o preço do combustível instável e os deslocamentos constantes para atendimento e manutenção, a substituição da frota por modelos mais limpos reduz os custos logísticos e reforça o compromisso com a sustentabilidade — posicionando o ISP de forma mais estratégica diante do mercado e dos órgãos reguladores.
O reaproveitamento de equipamentos também ganhou espaço como uma prática sustentável. Dispositivos em bom estado são redirecionados para áreas com menor demanda, enquanto os materiais obsoletos são descartados por meio de programas de logística reversa, que evitam o descarte incorreto e a contaminação do meio ambiente.
Essas iniciativas são acompanhadas por sistemas inteligentes de monitoramento, que avaliam em tempo real o consumo energético e as emissões de gases de efeito estufa, permitindo que os ISPs tomem decisões com base em dados concretos e transparentes. Relatórios de sustentabilidade, antes raros no setor, tornaram-se instrumentos comuns de prestação de contas à sociedade, aos órgãos reguladores e, principalmente, aos investidores.
A conectividade verde deixa de ser um diferencial para se consolidar como parte da responsabilidade social e ambiental esperada de grandes players do setor de telecomunicações. Essa transformação não ocorre de forma homogênea em todo o país, mas sinaliza uma mudança cultural e operacional irreversível.
Dessa forma, com apoio governamental, pressão do consumidor, avanço tecnológico e um posicionamento estratégico ancorado nos pilares do ESG, os ISPs brasileiros mostram que é possível expandir a rede de forma sustentável, construir uma infraestrutura com alto ROI, e contribuir para a redução das desigualdades digitais sem abrir mão do compromisso com o planeta — e com a saúde financeira do negócio. Se o futuro da conectividade no Brasil é digital, ele também precisa ser verde. E 2025 marca um ponto de inflexão nessa jornada.