Artigo por Paulo Kaneko, especialista em prevenção à fraude na FICO
A digitalização dos serviços financeiros no Brasil acelerou a inclusão, simplificou o acesso e estimulou a inovação. No entanto, também abriu espaço para uma nova modalidade de fraude: o uso criminoso da etapa de originação — o momento em que um novo cliente entra no sistema financeiro. Em muitos casos, contas abertas com dados legítimos estão sendo usadas não para buscar crédito, mas para movimentar dinheiro de golpes, ocultar a origem de recursos e lavar valores ilícitos.
O volume de fraudes digitais não para de crescer. Apenas em 2024, os golpes via Pix causaram prejuízos de R$4,9 bilhões no Brasil — valor que pode chegar a R$11 bilhões até 2028, segundo projeções do setor. O impacto vai além das cifras: dados do DataSenado indicam que quase 25% dos brasileiros já foram vítimas de golpes digitais, com perdas médias acima de R$6 mil por ocorrência.
Boa parte dessas fraudes nasce na etapa de abertura de contas. A facilidade oferecida por processos digitais de onboarding, muitas vezes pensados para garantir conveniência e agilidade, também serve como porta de entrada para fraudadores. Em vez de buscar crédito, muitos criminosos visam criar contas “limpas” para receber e dispersar recursos rapidamente, dificultando o rastreamento e viabilizando novas fraudes em segundos.
É uma operação sofisticada. Identidades sintéticas são criadas com CPFs reais obtidos em vazamentos, combinados com e-mails, fotos e dados falsos. Documentos adulterados ou inteiramente forjados são produzidos com ajuda de inteligência artificial, e selfies manipuladas por deep fakes são usadas para enganar sistemas de biometria facial. A tecnologia, que deveria proteger, também tem sido usada para atacar.
Outro agravante é o uso de contas de pessoas reais em situação de vulnerabilidade. Indivíduos com pouco histórico bancário, baixa renda ou baixa escolaridade são alvos frequentes. Em alguns casos, se tornam “mulas financeiras” ao ceder, de forma consciente ou não, seus dados ou contas. Isso dificulta a detecção das fraudes, uma vez que os dados são legítimos e o comportamento inicial pode parecer normal.
O grande desafio é tornar os processos de verificação mais sofisticados sem prejudicar a experiência do usuário. Segundo pesquisa da FICO, 30% dos consumidores desistem de abrir contas quando o processo é considerado difícil ou demorado. Ao mesmo tempo, 74% consideram a proteção contra fraudes um dos principais critérios na escolha de uma instituição. Encontrar o equilíbrio entre segurança e conveniência tornou-se essencial.
Nesse contexto, soluções tecnológicas integradas têm desempenhado um papel decisivo. A FICO, referência global em inteligência preditiva, apoia instituições financeiras na orquestração de dados, autenticação e análise de risco desde o primeiro contato com o cliente. O uso combinado de biometria facial com prova de vida, validação de documentos, análise de dispositivos, localização, histórico de uso e até comportamento interinstitucional, via Open Finance, permite identificar inconsistências e sinais de alerta antes mesmo da abertura da conta.
O combate à fraude não termina na fase de originação — que é o processo de abertura e validação inicial da conta. Muitos golpes são planejados para ocorrer semanas ou meses depois, quando o cliente já é considerado confiável pela instituição. Contas aparentemente inativas passam a movimentar grandes valores, recebem múltiplos Pix em sequência ou apresentam picos de atividade fora do padrão. Monitorar essas mudanças em tempo real é essencial para evitar prejuízos maiores.
A prevenção exige colaboração entre bancos, fintechs, operadoras, empresas de tecnologia e autoridades. Iniciativas como o Open Gateway, que compartilha dados como a troca de chip e outros dados da operadora de forma online, ou sistemas como o MED 2.0 do Banco Central, que bloqueia transações suspeitas, ou o aviso de bloqueio de abertura de novas contas são avanços importantes. A integração entre instituições ajuda a identificar padrões e mapear fraudes que atravessam diferentes plataformas.
Fraudes na origem não são apenas falhas operacionais, mas parte de uma cadeia criminosa mais ampla. Enfrentar esse desafio exige tecnologia, monitoramento constante e ação conjunta — fundamentais para garantir um sistema financeiro mais seguro e preparado para os riscos digitais.