A Black Friday se consolidou como um marco inegociável do e-commerce brasileiro: consumidores aguardam, marcas planejam e boa parte das metas anuais depende diretamente desse período. O que poucas empresas percebem, porém, é que o risco não está em participar — e sim em medir errado. A chamada “Tirania da Média” faz com que métricas consolidadas, apesar de aparentemente saudáveis, ocultem ineficiências profundas que comprometem rentabilidade e crescimento no longo prazo.

De acordo com Caio Motta, cofundador da Elementar Digital, o ambiente competitivo torna a disputa inevitável. “O cenário está posto. Consumidores condicionados a esperar descontos, concorrência acirrada e todas as marcas disputando atenção ao mesmo tempo”, afirma. Para ele, não participar significa perder espaço e relevância, mas participar sem método significa perder dinheiro. “O desafio real é jogar bem esse jogo de maneira analítica – e isso começa muito antes do desconto chegar no site.”
A principal armadilha é depender de indicadores agregados como CAC médio, ROAS geral ou faturamento total para avaliar sucesso. Essas métricas, quando analisadas isoladamente, diluem comportamentos, escondem assimetrias entre canais e distorcem a qualidade dos clientes adquiridos. Felix Bohn, sócio da agência, exemplifica: “Um Custo de Aquisição de Cliente (CAC) médio de R$ 80 pode parecer aceitável. No entanto, ao analisar os dados por grupos específicos de clientes (cohorts), você pode descobrir que clientes atraídos na Black Friday por um canal em particular têm um CAC de R$ 60, mas nunca mais compram. Por outro lado, clientes com um CAC de R$ 100 podem fazer novas compras em 45 a 60 dias.” Para ele, é essa granularidade que separa operações que queimam caixa daquelas que constroem base de clientes de alto valor.

Assim, a mídia deixa de ser uma decisão tática e passa a ocupar função estratégica. Motta observa que muitas marcas ampliam o orçamento de forma linear, esperando crescimento proporcional — algo que raramente acontece. A alocação eficiente depende de histórico, segmentação e inteligência sobre quais canais geram clientes com maior valor residual. Ao mesmo tempo, a estrutura de funil precisa ser respeitada: campanhas de topo não podem ser avaliadas com o mesmo rigor imediato destinado às campanhas de conversão. Como reforça Bohn, “é preciso ter paciência no topo do funil e ser cirúrgico no fundo.”
Ainda assim, nenhuma estratégia de mídia sobrevive a uma operação despreparada. Falhas de entrega, rupturas de estoque e instabilidade no site podem destruir, em horas, o valor construído nas campanhas. Motta lembra que isso acontece todos os anos. “A gente vê isso todo ano: marcas que explodem em vendas na sexta-feira e, na segunda, já estão apagando incêndio no SAC”, comenta. Para evitar que o aumento de volume se torne um problema, é essencial testar infraestrutura, reforçar estoques e preparar logística para cenários de demanda extrema.
A visão de curto prazo também é responsável por frustrações recorrentes. Para a Elementar, o desempenho real da Black Friday não se mede em novembro, mas nos meses seguintes. É em março, junho e até no novembro seguinte que se comprova o impacto do período. “Todo mundo comemora quando bate a meta de faturamento, mas o jogo real acontece depois”, afirma Bohn. Ele explica que o acompanhamento deve incluir recompras, churn, LTV dos cohorts adquiridos na data e comparação com períodos tradicionais. Sem essa disciplina, marcas permanecem presas ao ciclo de desconto por sobrevivência.
Quando dados são tratados de forma granular, a mídia é construída com inteligência, a operação suporta o volume e a promessa ao cliente é cumprida, a Black Friday se transforma em motor de crescimento sustentável — e não apenas em um pico de vendas. Como resume Bohn, “a diferença está em trocar o imediatismo por visão de longo prazo”. E conclui: “Quando você estrutura a estratégia pensando no contexto de longo prazo, não em transações isoladas, equilibra volume com qualidade de cliente. E aí sim a Black Friday vira o que deveria ser: um acelerador do negócio.”






