Artigo por Octávio Carradore, CEO da Ativos Capital
Não é de se causar estranheza que o termo ‘robocall’ tenha se tornado sinônimo de incômodo para o consumidor brasileiro. Diariamente, milhares de ligações automáticas, muitas vezes realizadas de forma indiscriminada, corroem a confiança na telefonia como canal legítimo de comunicação. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem adotado uma série de medidas regulatórias para conter os abusos que chegam a tirar a paciência de qualquer cidadão. Depois de percorrer uma longa estrada, a decisão mais recente tomada pelo Conselho Diretor, reforça esse movimento ao estabelecer a obrigatoriedade da autenticação de chamadas para empresas que realizam mais de 500 mil ligações por mês.
A julgar pelo histórico que temos até aqui, essa determinação é um passo importante para o setor, mas também revela os dilemas de fragilidade e consistência nas medidas, se tomar como base a transformação pelo qual o setor vem passando. O acerto da Anatel está em avançar na rastreabilidade e no uso de tecnologias como o STIR/SHAKEN – protocolo internacional que autentica chamadas e permite ao consumidor visualizar quem está ligando e por qual motivo. Em países que já implementaram essa solução, houve redução drástica do volume de chamadas fraudulentas, e a confiança na voz começou a ser recuperada.
Mas, como o propósito é elencar os acertos e as inconsistências do processo, vamos às lacunas que precisam de uma atenção maior. A principal delas é a falta de clareza e padronização na aplicação das regras. De acordo com a reunião do Conselho em questão, o serviço Origem Verificada passa a ser utilizado em duas frentes. No primeiro deles, a identificação permanece facultativa, o que possibilita ao consumidor saber quem está realizando a chamada. Já a autenticação torna-se obrigatória para grandes chamadores. Essa parte da decisão possibilita à Anatel ter acesso a dados e informações de identificação mais precisa no combate a abusos, sendo possível o monitoramento em tempo real.
Muitas empresas tiveram pouco tempo para se adaptar e enfrentam desafios de infraestrutura. É importante que se tenha em mente que, a tecnologia existe, mas o que falta é vontade regulatória e investimento das operadoras para colocá-la em prática. Sem modernização das redes e sem apoio técnico consistente, o risco é que a regulamentação pese apenas sobre empresas que já operam de forma responsável, enquanto players oportunistas continuam a buscar brechas. Resolver essas inconsistências é fator determinante para que a determinação comece e gerar os efeitos exigidos na regulamentação responsável.
No entanto, a discussão em torno do que foi acertado ou não continua gerando interpretações dúbias, seja por parte das empresas e sobretudo, do consumidor. Mais um ponto controverso no processo foi a retirada da obrigatoriedade do prefixo 0303 para identificar chamadas de telemarketing. Embora a medida tenha surgido para trazer mais transparência, sua flexibilização abre espaço para dúvidas no consumidor. Afinal, em tempos de desinformação digital, a clareza na identificação é uma arma contra o abuso. A impressão que se tem, quanto consumidor, é que o processo retrocede e não traz nenhuma novidade no que se refere a segurança do usuário final.
Por outro lado, é preciso reconhecer que a Anatel não busca apenas punir, mas restaurar a confiança do consumidor. Hoje, até chamadas legítimas – de bancos, hospitais ou órgãos públicos – sofrem rejeição, pois a população já associa a voz ao incômodo do spam. Para mudar esse cenário, a voz precisa ser reposicionada como um canal confiável, e a autenticação de chamadas é um caminho viável. A voz nunca desaparecerá como meio de comunicação. O desafio agora é requalificá-la. E aqui reside o papel crucial da Anatel: criar regras que sejam ao mesmo tempo rigorosas contra abusos e realistas quanto à capacidade de adaptação das empresas.
O futuro das comunicações, entretanto, não depende apenas da regulação. Depende também da postura das empresas que atuam no setor. A regulação deve punir quem age de má-fé, mas também precisa ser um instrumento de modernização, incentivando investimentos em tecnologia e boas práticas de mercado. Quem investiu em tecnologia própria, desenvolveu software e criou jornadas personalizadas para clientes tende a sobreviver e crescer. Já os que insistem em modelos ultrapassados de discagem massiva, sem personalização ou critério, inevitavelmente ficarão para trás.
Se os próximos passos forem dados com equilíbrio, o Brasil pode transformar um problema crônico em oportunidade, fazendo da telefonia um espaço de confiança, eficiência e inovação, integrando-a de forma inteligente com outros canais digitais e com o avanço da inteligência artificial. Por sinal, fica aí a provocação: como a inteligência artificial pode ser usada de forma auxiliar nas próximas medidas, integrando soluções de uso consciente e eficiente dessa ferramenta tão necessária para o desenvolvimento dos negócios, que são as mensagens segmentadas, de forma a utilizar com o propósito de otimizar os disparos para um público que faça sentido.