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O impasse entre frear ou avançar a Inteligência Artificial no Brasil

Artigo por Anderson Röhe, Pesquisador Fellow Sênior no Think Tank ABES (GT-IA)

Esse artigo visa a traçar um panorama do contexto atual no Brasil, fazendo um sobrevoo do que está por vir no campo da Inteligência Artificial. Particularmente após o retorno do recesso parlamentar de julho, quando se retomam as audiências públicas. E, a fim de ser o mais didático possível, vem através da comparação com as cores dos sinais de trânsito. Indicando as pautas que avançam e aquelas menos ventiladas na Câmara dos Deputados, a casa legislativa onde agora tramita o PL 2338/23.  

Para início de conversa, precisamos falar sobre os altos e baixos da Inteligência Artificial. Desde Alan Turing, a possibilidade de haver LLMs ou modelos de linguagem inteligentes atravessa momentos de menor ou maior hype/entusiasmo. Embora o “pai dos computadores” não tenha chegado a construir um, seus estudos matemáticos serviram de referencial para medir algum grau de inteligência. Sobretudo através de testes que verificam se as máquinas realmente pensam, raciocinam e tomam decisões autônomas, habilidades estas inerentes aos humanos. 

E foi nesse intuito que muitos produtos foram lançados para atingir essas expectativas, mas que nem sempre cumpriram as promessas tal qual foram anunciados. Chegando, na melhor das hipóteses, próximo de algumas, mas não de todas as habilidades humanas.  

Porém, com a vinda do ChatGPT, ao final de 2022, retomaram-se as esperanças de um LLM capaz não só de responder a perguntas, mas de gerar conteúdos novos a partir de comandos de texto e voz. O GPT desponta, portanto, como um ponto de inflexão realmente disruptivo, quebrando-se o paradigma vigente até então. 

Acontece que de lá para cá os ganhos irrestritos de produtividade não se confirmaram na escala e velocidade esperadas. Ou talvez tenham valido mais para a experiência do usuário do que para a indústria em si. Logo, dá-se a impressão de o hype com a IA estar em baixa, quando não é bem isso o que acontece. E sim que estamos em um período latente, de transição. Significa que o aumento do financiamento em pesquisas e desenvolvimento retomará no instante que surgir um outro produto tão inovador quanto. O que não parece ser o caso atual do GPT-5. Há, de fato, um ganho incremental em relação a certas capacidades de LLMs anteriores, mas não uma revolução no setor.     

Tal diagnóstico que sua evolução é cíclica, faz acender um sinal verde para que a IA seja compreendida no plural, não fazendo hoje mais sentido entendê-la como um modelo único e universal, servindo de referencial para todos os tipos de contexto, língua, cultura e sociedade. Uma vez que nos acostumamos a um framework padrão que geralmente toma a frente e passa a ditar regras para o setor. Quando o ideal seria adequá-la conforme cada situação real, em concreto; focando em modelos menores, mais enxutos, direcionados para as necessidades locais, no intuito de torná-los mais efetivos, inclusivos e sustentáveis. Havendo até um nome para esse mindset (virada de chave): o da Tecnodiversidade, difundido pelo filósofo Yuk Hui.  

A partir dessa constatação, já se acende o sinal amarelo – de atenção – para os rumos globais da IA. Isto é, percebe-se hoje uma insatisfação generalizada com os caminhos  que estão sendo dados ao uso e desenvolvimento da tecnologia. Seja em relação ao modelo que aqui tramita no Congresso Nacional, seja quanto ao recém-lançado plano de ação estadunidense, seja quanto ao modelo proposto pela própria União Europeia – UE, aquela que foi a precursora em regulação digital.  

As motivações para mudança são várias, umas mais legítimas do que outras, tais como: a) a insatisfação na UE agora se dá diante da concorrência de outros players que antes careciam de previsão doméstica, em uma época na qual o AI Act reinava quase que absoluto dentro de um ambiente global de lacuna normativa. Não havia, portanto, com quem e o que comparar. Bem como por lá há uma forte tendência liberal em sentido contrário ao de outrora; b) já nos EUA, após revogar a Ordem Executiva Biden-Harris e ter sua proposta de moratória por dez anos para a IA recusada, o governo Trump agora incentiva um ambiente mais desregulado ou que seja autorregulado pelo mercado, em resposta à escalada da disputa com a China. A aposta, então, é em modelos de código aberto para rivalizar com o dos chineses, e no combate ao viés político-ideológico, mesmo consciente que a IA não é uma tecnologia de natureza neutra.  

Por sua vez, é nesse momento que estampa o sinal vermelho de parar e aguardar para depois avançar. Antes benchmark em regulação digital, hoje se vislumbra mais um sinal vermelho do que amarelo para o padrão europeu (a depender do setor e grupos de interesses envolvidos). Ao menos enquanto continuar como originalmente foi concebido: um modelo de IA ex ante prescritivo, focado em riscos presentes, mas também nos potencialmente danosos, fomentando uma lista ampla de perigos que não para de crescer, já que não é exaustiva. A desvantagem no rigor desse modelo aflorou mais à época do boom do ChatGPT, pois ampliou a margem de compliance face aos novos desafios trazidos pelas IAs generativas. Sobretudo por trazer mais encargos e efeitos colaterais para pequenas e médias empresas. 

Desde então, modelos mais restritivos como o AI Act europeu revelaram ser pouco realistas e inefetivos na prática. Assim como de custosa, complexa e difícil implementação. Particularmente por frear a inovação tecnológica e o crescimento econômico; o que deixa o bloco em desvantagem e menos competitivo em relação aos seus maiores concorrentes: EUA e China. 

Logo, não foram ao acaso as propostas de simplificação e até de postergação da vigência completa do AI Act europeu para 2027. Mormente após a publicação do Relatório Draghi propondo mudança de rumos para a IA na União Europeia.  

Já quanto ao Brasil, todas essas variáveis o impactam de uma maneira ou de outra, causando internamente uma série de incertezas face a um cenário de indefinição. Portanto, em tempo de crise institucional, impasse entre os 3 Poderes, de pressão externa face a movimentos nacionalistas e protecionistas de repercussão global (como no tarifaço do governo Trump) recomenda-se “solução moderada para a IA, menos rigorosa que a regulação europeia”, a exemplo do tratamento dado pelo Supremo Tribunal Federal ao caso das plataformas digitais. 

Primeiro porque se observa motivação mais política do que técnica para a aceleração ou mesmo simplificação do PL 2338/23 no Congresso, a fim de que saia do papel na atual gestão, antes das eleições presidenciais de 2026. Segundo por haver forte pressão e apelo midiático de pautas sensíveis que demandam votação emergencial, como a de crianças e adolescentes em ambiente escolar e de cibersegurança. Terceiro porque o Brasil, sede da Cúpula dos BRICS em 2025, levanta pautas relevantes para sua autonomia e soberania digital; por outro lado, conflita com a ordem hegemônica mundial. Assim, na ausência ainda de insumos necessários para se tornar potência em IA, como a falta de chips, data centers, supercomputadores e capacitação técnica-profissional, resta pouca margem de manobra ou de barganha em uma disputa sino-estadunidense da qual o Brasil não deveria tomar partido, pensando antes no interesse nacional. 

Daí a recomendação em se adotar uma postura de equilíbrio, equidistante das relações de poder. Isto é, conjugando momentos de frear e de avançar, mas sem ser apressadamente, cedendo a pressões unilaterais e queimando etapas necessárias para esse amadurecimento. No intuito de evitar precipitações que criem obstáculos para o desenvolvimento futuro. 

Uma vez que “urgente é o debate, mas não a conclusão dele” sem a contribuição dos grupos de interesse envolvidos: governo, mercado, sociedade civil e academia. Reflexão que reforça a tese que precisamos ponderar, o quanto antes, se é melhor existir algum regramento para a IA, ainda que flexível, setorial, compartimentado ou nenhuma previsão a respeito. 

Cabe, então, à Câmara ou voltar à estaca zero, ou seguir essa linha de pensamento enquanto há tempo, aproveitando o que foi discutido no Senado, adequando-o ao momento atual, a fim de não se repetir com a IA o mesmo que ocorreu com as plataformas digitais: perdeu-se o timing para tomar a decisão mais acertada, as consequências se avolumaram e a solução recaiu na velha máxima da judicialização dos processos. 

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