Análise por Fábio Montanari, CEO da Montanari Tecnologia
A história do Pix no Brasil já é uma aula de política pública bem sucedida: em poucos anos, tornou se o meio de pagamento preferido dos brasileiros e passou a rivalizar com cartões no varejo físico e digital. Agora, entramos numa fase em que o Pix deixa de ser “só transferência instantânea” para virar plataforma: recorrência com o Pix Automático, crédito no checkout com o Pix Parcelado, pagamentos por aproximação (NFC) e melhorias de segurança e UX. É o Pix evoluindo para resolver casos de uso que, até ontem, dependiam de arranjos fragmentados e caros.
Pix Automático: o “débito automático” universal
Lançado ao público em 16 de junho de 2025, o Pix Automático permite que o consumidor autorize uma empresa (CNPJ) a cobrar recorrências contas de consumo, escola, academia, assinaturas sem precisar de cartão de crédito nem de convênio banco a banco. A partir de uma única autorização no app, as próximas faturas são liquidadas automaticamente via Pix na data combinada. Para quem cobra, isso reduz inadimplência e custo de recebimento; para quem paga, elimina fricções e burocracia.
O impacto esperado vai além da conveniência: a recorrência via Pix abre o jogo para pequenos e médios negócios que nunca conseguiram integrar débito automático tradicional. Analistas estimam que a funcionalidade deve capturar uma fatia relevante de pagamentos de assinatura (streaming, SaaS, telco) por ser mais simples e inclusiva e com liquidação instantânea.
Pix parcelado: crédito no fluxo do Pix, com regras claras
O Pix parcelado padronizado pelo Banco Central permite que o pagador parcele uma compra via Pix, enquanto o recebedor recebe à vista. Na prática, o banco/fintech do cliente concede um crédito no momento do pagamento; as parcelas (com juros e IOF) são quitadas depois pelo comprador, sem risco para o lojista. O BC confirmou o cronograma regulatório em outubro de 2025, detalhando a norma e os requisitos de UX/transparência (exibição de juros/CET com destaque, concessão responsável, entre outros). O rollout operacional acontece após a adaptação dos participantes.
O desenho regula algo que já vinha surgindo de forma pulverizada (o chamado “Pix no crédito”), mas padroniza nomes, jornada e salvaguardas, reduzindo assimetria de informação e risco de superendividamento. A lógica é simples: concorrer com o parcelado no cartão, sem repassar custo ao lojista e com liquidez imediata no caixa do recebedor. O BC também sinalizou cuidado extra com práticas como “rotativo” sobre parcelas, justamente para não replicar distorções do cartão.
Do lado da demanda, o apetite do consumidor já existe: pesquisas com e consumidores mostram interesse elevado (≈72%) em parcelar via Pix; por outro lado, o conhecimento das empresas sobre a modalidade ainda é baixo um gap de adoção que tende a fechar à medida que os PSPs liberarem a opção no checkout e nas maquininhas.
Pagamentos por aproximação (NFC) e outras peças do quebra cabeça
Desde 28 de fevereiro de 2025, já é possível pagar por aproximação com Pix (NFC), começando pela integração com carteiras digitais no Android. O recurso encurta a jornada presencial: encostar o celular na POS, autenticar e pronto. Na largada, houve limite por transação de R$ 500, sem limite diário solução pensada para tickets do dia a dia, transporte e varejo de conveniência. Para o comerciante, o gesto é familiar (como o contactless de cartão), mas com liquidação Pix.
Na segurança, o botão de contestação, o autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED), ficou disponível em 1º de outubro de 2025. Em caso de suspeita de fraude/golpe, o usuário aciona a contestação direto no app; se o saldo do recebedor ainda estiver disponível e houver indícios de fraude, os valores podem ser bloqueados e devolvidos após análise. Isso não cobre arrependimento ou disputa comercial, mas endurece o combate a golpes e melhora a confiança no sistema.
No horizonte de empresas, uma peça estratégica é o Pix em garantia (coloquialmente, “Pix Garantido”): usar recebíveis futuros de Pix como colateral para crédito algo muito próximo do modelo de recebíveis de cartão. Pela complexidade de infraestrutura, o BC projeta disponibilidade a partir de 2026, com potencial de baratear capital de giro para quem já vende muito por Pix.
O que muda para PF e PJ (na prática)
1. Para pessoas físicas (PF)
– Automático: adeus vencimentos esquecidos. A autorização única evita boletos e apps diferentes com controle e cancelamento pelo próprio usuário.
– Parcelado: acesso a crédito no ponto de compra mesmo para quem não tem cartão, com regras de transparência para evitar surpresas (juros/CET). Educação financeira será chave.
– NFC: experiência tão rápida quanto “encostar o cartão”, agora com Pix. Excelente para tickets baixos.
2. Para empresas (PJ)
– Automático: cobrança recorrente sem convênios bilaterais, com liquidação instantânea e potencial de redução de inadimplência. Bom para telco, utilities, educação, SaaS e serviços.
– Parcelado: mais conversão (especialmente em tíquetes maiores) e dinheiro à vista sem antecipação; o risco fica com o emissor do crédito do cliente. Gap atual é de conhecimento/integração, que tende a fechar.
– NFC: jornada mais curta no PDV e menos fricção na fila. Infra e gesto iguais ao contactless, com custo transacional de Pix.
Garantia (2026+): recebíveis Pix como colateral → crédito mais barato e previsível para quem tem grande fluxo via Pix.
Cartão x Pix (parcelado): competição e complementaridade
O parcelado no cartão dominou o varejo brasileiro por décadas. O Pix Parcelado não “mata” esse arranjo, mas pressiona sua equação de custo e UX:
– Liquidez: no Pix, o lojista recebe na hora; no cartão, depende de D+ prazos ou antecipação.
– Custo: Pix tende a ter custo menor/marginal para o recebedor; no cartão há MDR e, no sem juros, custo financeiro embutido/antecipado.
– Risco: no Pix, o risco do crédito é do banco do pagador; o lojista fica blindado contra chargeback por arrependimento.
– Demanda: consumidores querem parcelar; a padronização do BC aumenta a confiança e reduz confusão de nomenclaturas.
Na ponta do consumidor, o recado regulatório é claro: transparência e prudência na concessão. Exibir o custo real (juros/CET) em destaque e coibir dinâmicas de “rotativo” sobre parcelas são anticorpos para não reproduzir distorções do cartão.
O que vem a seguir
A agenda evolutiva do Pix permanece prioritária no BC, com trabalhos contínuos em segurança, UX, iniciação por novos meios e APIs para integrações mais simples no comércio e nos serviços financeiros. O BC tem comunicado os marcos em fóruns públicos e notas oficiais, mantendo a coordenação com o mercado.
Há também grande interesse (e ansiedade) pelo Pix internacional; porém, o BC tem sido consistente ao priorizar o fechamento das frentes domésticas (recorrência, parcelado, garantias, segurança) antes de interligar sistemas de outros países um passo que exige harmonização técnica e regulatória multilateral.








