Análises

Review: Ubuntu 14.04 LTS “Trusty Tahr” (Parte 2)

Há quase um mês do lançamento do Ubuntu 14.04 LTS “Trusty Tahr” o Guia do PC apresenta a continuação da review. Diferentemente da primeira parte, agora a análise é feita por “usuários comuns”, focada na simples usabilidade.

Ubuntu 14.04 LTS
Ubuntu 14.04 LTS

Os testes foram livres e guiados, incluindo vídeos com algumas propriedades do sistema. Após conhecerem rapidamente o Ubuntu 14.04 os entrevistados responderam algumas perguntas.

Quem testou o Ubuntu?

Os teste foram realizados com 3 mulheres (oba!):

kathariny Kathariny tem 27 anos, trabalha como vendedora, é designer de interiores e é uma fortalezense criada no Rio mas atualmente moradora de Florianópolis.

nayara Nayara tem 23 anos, é assessora jurídica na Advocacia da Infância e Juventude, mestranda em Direito e é uma carioca, criada em Pomerode mas que mora agora em Florianópolis.

andreia Andreia tem 27 anos, é médica e é uma videirense moradora de Joinville.

Perguntas e respostas

1. O que achou da aparência, do visual do novo Ubuntu? E quanto ao esquema de cores, os ícones, as janelas e os menus?

Kathariny: A aparência dele é agradável. Não diria que é bonito, mas é simples. Sobre as cores, posso alterar mesmo. Os ícones me lembram os do iPhone. As janelas são iguais as do Windows. Só difere naquele menu superior, que só aparece quando é posicionado a seta do mouse no alto. Não veja necessidade disso. No Geral ele (o Ubuntu) é legal.

Nayara: Gosto da aparência do Ubuntu. Acho que a disposição dos ícones na lateral deixa a área de trabalho mais clean do que no Windows, sistema operacional com o qual estou mais familiarizada. Mas pode ser que isso decorra simplesmente do fato de que, com o Windows, além dos ícones que ficam na parte inferior da tela, tenho os atalhos dos programas que mais uso e, eventualmente, alguns arquivos de texto (doc ou pdf) espalhados pela tela. Além disso, acho o desenho dos ícones do Ubuntu bem simpático – não encontrei palavra melhor – , como o do navegador de arquivos, por exemplo. Também gosto das cores e, principalmente, da combinação entre o papel de parede e a cor da barra do menu, mas achei desnecessária a opção de colocar o menu de cada janela fora dela, na barra superior.

Andreia: Achei bem normal. Não é nem mais bonito nem mais feio que os outros, é diferente. Achei legal poder combinar a cor dos menus com o fundo de tela. E só!

2. Você diria que o sistema é de difícil utilização? Teve alguma dificuldade para instalar os programas? Acha que os menus são amigáveis, fáceis de usar?

Kathariny: Não tive grandes dificuldades ao usá-lo. Uma ou outra demora em achar o que eu precisava usar, o que me fez recorrer à busca diversas vezes. Instalar o Google Chrome foi fácil, foi, aliás, umas das primeiras coisas que fiz, visto que tenho um histórico nada feliz com o Firefox. Já para instalar o Steam usando a Central de Programas deu algum erro. Precisei entrar no site oficial para baixar de lá o programa. Os menus são fáceis de usar uma vez que você sabe onde procurar. Demorei para descobrir onde achar os programas.

Nayara: Diria que ele parece ser de fácil utilização. Mas acho que exigiria um pouco de treino até que eu me lembrasse dos caminhos para instalação de programas, especialmente daqueles que não estão disponíveis no ícone da central de programas. Além disso, não sei se foi impressão minha ou não, mas senti falta de indicações por escrito, descrevendo os ícones (refiro-me aqui aos ícones em geral e não apenas à central de programas). Imagino que isso não cause qualquer prejuízo para quem está familiarizado com o sistema ou que, no mínimo, detém um conhecimento mais aprofundado em informática, mas, para o leigo, pode ser um fator de desestímulo para a instalação/troca de sistemas.

Andreia: Aparentemente é simples, mas com certeza eu ficaria com um monte de dúvidas no começo, com o uso diariamente. Sempre fico quando troco de computador, ainda não sei mexer direito no Windows do meu computador. Para instalar programas me lembrou um pouco o jeito de baixar os aplicativo da Apple. E gosto mais do menu Iniciar. No Ubuntu é cheio de programas naquela janela que abre.

3. Quais foram as maiores dificuldades que encontrou?

Kathariny: Minhas maiores dificuldades todas envolveram o fato de não saber onde estão as coisas. A organização não está intuitiva e algumas partes da tradução não ajudava, como “bloquear no lançador”. Demorei para entender que queria dizer “fixar na barra de tarefas”. Algo que não foi dificuldade mas é bem chatinho é precisar colocar a senha para tudo.

Nayara: É difícil falar abstratamente em dificuldades, mas imagino que seriam as mesmas já identificadas pela Kathariny, como a questão da tradução: “bloquear no lançador” não é uma instrução lá muito clara.

Andreia: Não sei mexer direito em configurações e organizar o sistema do jeito que gostaria. Mas não é pessoal contra o Ubuntu. Como eu falei, essas coisas não são meu forte.

4. O que achou da Central de Programas?

Kathariny: Lembrou-me bastante a Google Play. Então foi uma parte simples de entender.

Nayara: Como comentei na resposta à pergunta 2, parece ser fácil usar a Central de Programas, sem contar que, pelo que eu entendi, já oferece uma série de programas que talvez fossem até desconhecidos do usuário. Eu, por exemplo, não fazia ideia da existência do Stellarium, embora eu o tenha achado sensacional. Desconheço a existência de central semelhante no Windows.

Andreia: Achei ruim tudo junto, gostaria que tivesse mais organizado.

5. Você trocaria o sistema que utiliza atualmente pelo Ubuntu 14.04?

Kathariny: Não, não mudaria. Apesar de não ser difícil de usar, não vejo motivos para trocar um pelo outro, como quando troquei o Firefox pelo Chrome. Na época o Firefox vivia fechando ou travando, o que me irritava. Também não trocaria pelo fato de alguns programas que uso não terem versão para Ubuntu, como Netflix e o AutoCAD, cuja versão da internet não é muito boa ainda.

Nayara: Não. Pelo tipo de experiência que já tive com o Ubuntu (ver resposta abaixo), permaneceria com o Windows. Por mais que o próprio Windows possa apresentar problemas, sinto que, sem maiores dificuldades, encontraria assistência técnica especializada. Parece-me que, com o Ubuntu, não seria assim tão fácil.

Andreia: Não, mas só porque quanto menos melhor, até eu aprender… Mal sei me virar com o Windows 7 e com o iOS.

6. Já tinha ouvido falar do Ubuntu antes? Como conheceu? Já tinha usado outra versão dele?

Kathariny: Sim, ja tinha ouvido falar lendo alguns sites e por um amigo que mexe com computadores. Mas nunca tinha usado. Só tinha mexido uma vez ou outra de maneira bem rápida, com alguém me dizendo onde clicar.

Nayara: Já. A primeira vez em que ouvi falar do Ubuntu estava no Ensino Médio. Um amigo, que depois viria a estudar Ciências da Computação, costumava fazer comentários bastante entusiasmados sobre o Ubuntu. Na época, porém, não tive a oportunidade de testar o sistema. Há uns seis meses, porém, depois que eu tive um problema com o Windows, experimentei o Ubuntu 13.10. Gostei do layout e talvez tivesse permanecido com o sistema não fossem os problemas com o teclado, que mudava para o inglês sem qualquer comando e não aceitava ser reconfigurado para o idioma português (ver em Ubuntu Launchpad). Para alguém que praticamente só usa o computador para acesso à internet e edição de textos, era um problema muito grande. E irritante.

Andreia: Um amigo me falou, mas nunca tinha usado.

7. Qual o sistema operacional você usa atualmente? Você comprou individualmente, baixou ou veio com o computador?

Kathariny: Windows 7. Veio com o computador.

Nayara: Uso o Windows 7, que já veio instalado no computador.

Andreia: Windows 7. Veio com o computador.

Percepção

Nessa pequena avaliação de usuários comuns (que não tem pretensão de ser uma análise científica e técnica), percebe-se algo interessante. Ubuntu de certa forma é conhecido, mas não causa qualquer reação mais entusiasmada. “Vamos comprar um PC com Windows 8? Legal! Vamos comprar um MacBook? Agora mesmo! Vamos comprar um ultrabook com Ubuntu? Hum… Não sei dizer”.

Quanto ao visual, Mark Shuttleworth, fundador da Canonical, não cumpriu a promessa feita anos atrás de transformar o Ubuntu em algo irresistível, ser um Mac OS X dos novos tempos. Ubuntu não é feio, mas nada de elogios para além disso. Nem de perto tem o charme da Apple.

Ubuntu é conhecido como “Linux para seres humanos”, sinônimo de facilidade. Instalar programas nele é realmente muito simples, mas a usabilidade causa estranheza e não é harmoniosa. Unity não parece estar tão amigável como deveria. Designers de usabilidade parecem não perceber que cortar passos até o destino pretendido é essencial (e isso não é exclusividade do Ubuntu. Olhem o Windows 8 com seu “rola, rola, rola, rola, agora achei”.

De maneira geral o Ubuntu não tem atrativos fundamentais para alguém trocar seu sistema padrão por ele. É basicamente “por que trocarei se estou satisfeito com meu Windows?”. Aliás, percebe-se ainda que a “venda casada” entre hardware e software, uma instalação OEM do sistema, é peça-chave. As pessoas compram o hardware e vem com Windows e ficam com ele. O custo do sistema operacional nem é percebido. Se o hardware fosse vendido sem sistema operacional ou fosse dada a opção de escolher entre um e outro na hora da compra o fator preço poderia ser uma vantagem do Ubuntu, que é grátis.

O futuro do Ubuntu

Ubuntu nasceu do sonho de Mark Shuttleworth. Quem é Shuttleworth? É cara muito interessante.

Mark Richard Shuttleworth é um sul-africano que ficou rico, muito rico, podre de rico, quase da noite para o dia. Não foi por sorte, claro. Enquanto era estudante ele fundou em 1995 uma empresa de segurança digital, certificados e criptografia, a Thawte. A empresa 4 anos mais tarde foi comprada pela VeriSign por mais de meio bilhão de dólares.

Com uma conta bancária cheia de dígitos, eu estaria aposentado, morando em Dubai e passando as férias no Taiti (it’s a magical place). Mas Mark sabe aproveitar a vida. Além de bon vivant, sendo o segundo turista espacial do mundo e o primeiro africano a visitar o espaço, dedicou-se à filantropia, com a Shuttleworth Foundation.

Mark Shuttleworth na Soyuz em 2002
Mark Shuttleworth na Soyuz em 2002

Mas acha que ele parou por aí? Não. O mundo nunca estaria bom se o usuário comum de computadores fosse dependente de uma única plataforma. Foi aí que surgiu a ideia do Ubuntu e da Canonical.

Shuttleworth aprendeu bem com Richard Stallman. Software livre não é cerveja grátis. O conceito é liberdade. Se quer ganhar dinheiro com isso, de boa irmão, vai fundo. A empresa Canonical, registrada na Ilha de Man mas sediada em Londres, nasceu do entendimento de que é possível ser uma empresa do mundo capitalista sem precisar seguir o velho conceito de negócio vigente.

E quem era o problema para a informática doméstica? Uma coisa chamada Windows. O mundo não vive sem Windows. Todos são dependentes do sistema operacional da Microsoft. Tudo gira em torno do sistema das janelas, que estão bem fechadas para ninguém pular.

O plano de Shuttleworth era fazer do Ubuntu o Simón Bolívar dos sistemas domésticos, o que libertaria a humanidade das amarras digitais. Claro, não é bem assim, para Mark ver suas ideias implementadas e ter um bom dinheiro entrando é fundamental.

Mas os sistemas baseados no GNU/Linux já não tentaram? Não. Sistema algum tinha um foco tão claro, o foco no usuário comum, nos computadores pessoais da casa de cada pessoa. Sistema algum tinha o objetivo de concorrer com o Windows mundialmente e com a toda poderosa Microsoft. Red Hat? SUSE? Eram e são sistemas para engravatados. Duvido que a mãe de alguém tenha usado algum deles.

Canonical não esqueceria o mundo corporativo, suas soluções empresariais, mas ela daria todo o suporte necessário para manter o Ubuntu, o Linux para seres humanos, em pleno desenvolvimento.

De outubro de 2004 até hoje foram 20 versões do Ubuntu lançadas. Nenhuma chegou perto de ameaçar o Windows, mas sem dúvidas nesses 10 anos o sistema com espírito africano conseguiu se tornar popular como nenhum outro GNU/Linux conseguiu.

Com capital fechado as contas da Canonical no mundo são um grande mistério. Mas no Reino Unido, onde empresas tem obrigação legal de mostrar seus relatórios financeiros com forma de transparência, o grupo nunca foi lucrativo. Na terra dos Beatles ano após ano a empresa aumenta sua receita, mas os prejuízos aumentam em um ritmo ainda maior. No último ano fiscal a empresa teve um prejuízo de US$ 21 milhões, 10 milhões a mais que no ano anterior.

Pode-se dizer que a parte da Canonical que trata de serviços para o mundo corporativo vai bem, segundo seu criador. Um mercadinho de bairro se comparado à Red Hat e uma barraquinha de limonada de escoteiras se comparado à Microsoft, claro. Mas são justamente os custos de pesquisa e desenvolvimento do Ubuntu para desktops, seus derivados para smartphone, tablet e TV e tudo o que gira ao seu redor, como MIR, Unity, os recentemente descontinuados Ubuntu One e Ubuntu para Android e a louca logística de suporte por culpa das duas distribuições lançadas anualmente, que estão pintando as contas de vermelho.

Ubuntu integrado
Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento são os principais responsável pelo vermelho da Canonical

As muletas da Canonical por enquanto é a grande carteira de Shuttleworth, que, como bom economista, já sabia do calvário que passaria, tanto que criou a Ubuntu Foundation, com fundos específicos para manter o sistema operacional por mais algum tempo.

Nos próximos anos o Ubuntu pode mudar essa história de crescimento com prejuízos. A parceria com a China na criação do Ubuntu Kylin pode garantir milhões de usuários a mais e muitos desenvolvedores e fornecedores de serviço. Isso pode significar mais atrativos para computadores serem vendidos com Ubuntu por lá. Isso até pode acontecer mais rapidamente do que o esperado, já que a ditadura chinesa pode incentivar na força bruta uma migração (creio que seja do interesse chinês ter controle absoluto sobre o sistema operacional, ainda mais após o caso NSA). A China já é o principal polo de negócios da Canonical e pode se tornar uma mina brevemente.

Ubuntu OEM na China
Ubuntu OEM na China

Mas sem dúvidas o passo mais importante do Ubuntu será o segmento de smartphone e tablet, a tendência é que tablets e smartphones sejam mais relevantes para o mercado doméstico do que o PC. Ainda esse ano a empresa britânica pretende colocar o Ubuntu para bater de frente com Google, Apple e Microsoft.

Mas espera um pouco. O mercado de PC não está estagnado, tendente a ser relevante somente no meio corporativo e dominado pelo Windows? O segmento móvel dominado por Google e Apple e a Microsoft não está vindo com tudo? Não é um passo em direção ao abismo? Sim, mas pode não ser se a ideia de um sistema único que integre PC, smartphone, tablet e TV colar para o grande público.

Por enquanto as empresas como TIM, Vodafone, Verizon e outras do Carrier Advisory Group, além da espanhola BQ e a chinesa Meizu estão colocando publicamente algumas fichas no Ubuntu para smartphone. Se der certo, será a salvação do Ubuntu, pois abre oportunidade futura em todos os seguimentos em razão da integração prometida; se não der, Mark Shuttleworth não torrará seus trocados. Tenha certeza.

Tags: Destaques, Linux, Review da Semana

Você também vai gostar

Leia também!