A cibersegurança do setor elétrico brasileiro enfrenta um dilema que especialistas já classificam como um dos maiores desafios da era da digitalização industrial: o chamado paradoxo do patch. O conceito, destacado em um estudo recente da ISA Global Cybersecurity Alliance (GCA), expõe a distância entre o que parece simples no papel — atualizar dispositivos críticos — e o que, na prática, pode colocar em risco a estabilidade energética de todo o país.
Ao contrário do ambiente tradicional de TI, onde patches de segurança são aplicados de forma contínua e padronizada, o universo de OT (Operational Technology) opera sob uma lógica completamente diferente. Cada atualização envolve riscos operacionais, impactos financeiros e potenciais consequências físicas. Um patch mal testado pode interromper a geração ou transmissão de energia, danificar equipamentos de milhões de reais e até comprometer a segurança de trabalhadores.
Essa combinação de fatores torna o setor elétrico um terreno particularmente sensível. A operação depende de sistemas complexos, formados por tecnologias de diferentes eras e fabricantes — muitos deles com mais de duas décadas de uso. O resultado é um ecossistema altamente heterogêneo, no qual a compatibilidade de patches nunca é garantida.
Além disso, o setor convive com um cronograma de manutenção extremamente rígido. Janelas de intervenção são raras, demandam meses de preparação e precisam seguir protocolos regulatórios determinados por órgãos como o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Com isso, atualizações emergenciais — comuns em TI — tornam-se quase inviáveis em ambientes OT.
Nesse contexto, especialistas defendem uma mudança profunda na forma como o país encara a proteção de infraestruturas críticas. O foco não deve estar apenas em aplicar patches, mas em compreender e mitigar riscos de forma contínua. A gestão cibernética do setor elétrico exige uma abordagem sistêmica, capaz de combinar prevenção, monitoramento e resiliência.
As boas práticas apontadas pelos analistas incluem a criação de inventários completos de ativos, segmentação rigorosa de redes críticas conforme padrões como a ISA/IEC 62443, adoção de ferramentas de monitoramento contínuo e implementação de controles compensatórios — como firewalls industriais, sistemas de prevenção de intrusão e políticas rígidas de acesso.
O consenso entre especialistas é que a maturidade em cibersegurança industrial depende de um processo evolutivo, e não de soluções rápidas. Como sintetiza a análise citada no estudo: “A cibersegurança industrial não é uma corrida de 100 metros, mas uma maratona de resiliência”.
Para Flávio Cruz, sócio-diretor da Cyrex Security, a discussão promovida pela ISA GCA é essencial para alinhar as diferentes áreas envolvidas na operação da infraestrutura energética. “A discussão promovida pela ISA GCA é fundamental para unirmos automação, TI e segurança em um propósito comum: proteger o setor elétrico brasileiro”, analisa.
Em um país onde a energia elétrica é base para todos os setores da economia, o paradoxo do patch deixa um alerta claro: garantir a segurança das redes OT não é apenas uma necessidade técnica, mas um imperativo estratégico nacional.








