Entrevista

Vistos para talentos: o que realmente pesa na análise dos vistos EB-1A, EB-2 NIW e O-1A

Nos últimos anos, o sonho americano voltou a ocupar o imaginário de milhares de profissionais de tecnologia. Os Estados Unidos continuam sendo o epicentro global da inovação e da economia digital, atraindo talentos de todas as partes do mundo — e os brasileiros estão entre os mais interessados. Além dos altos salários, da infraestrutura tecnológica e da possibilidade de atuar em projetos de escala global, o país oferece uma estrutura jurídica que permite a imigração legal de profissionais altamente qualificados por meio de categorias específicas de vistos.

Segundo o U.S. Bureau of Labor Statistics, os profissionais de tecnologia e informação nos EUA recebem, em média, US$ 104 mil anuais, valor mais que o dobro da média nacional. Além disso, cidades como Austin, Nova York e Seattle se consolidaram como grandes polos de inovação, impulsionadas por startups, big techs e ecossistemas de investimento robustos. Esse cenário faz com que profissionais de software, ciência de dados e engenharia vejam o país como o destino ideal para transformar carreiras promissoras em trajetórias globais.

Mas a corrida por oportunidades também tem um lado sensível: a necessidade de seguir as leis de imigração de forma correta. Com o aumento da procura, cresce o número de pessoas que recorrem a caminhos equivocados, agindo com desinformação ou má orientação. Além de colocar o profissional em risco de deportação ou banimento, o descumprimento das normas pode comprometer futuras tentativas de visto — inclusive para categorias baseadas em mérito e qualificação, como os vistos EB-1A, EB-2 NIW e O-1A.

Essas categorias, voltadas a pesquisadores, cientistas, executivos e empreendedores com impacto comprovado, estão entre as mais desejadas por profissionais de tecnologia. Em 2025, o país registrou um recorde histórico de solicitações de vistos baseados em mérito e habilidades extraordinárias. Segundo o U.S. Citizenship and Immigration Services (USCIS), essas categorias foram responsáveis por mais de 20% dos green cards concedidos a profissionais de alta qualificação nos últimos três anos — um reflexo direto do esforço americano em atrair cérebros capazes de impulsionar a competitividade do país na economia digital.

No entanto, o sucesso desses processos depende de uma estratégia jurídica sólida e transparente, alinhada aos critérios do governo norte-americano. A análise da USCIS é técnica e criteriosa, exigindo comprovação documental de impacto, relevância e mérito. Por isso, buscar orientação de especialistas em imigração profissional é fundamental — especialmente diante de um cenário onde cada evidência precisa ser cuidadosamente estruturada.

Para entender como funciona essa dinâmica e o que realmente diferencia uma candidatura bem-sucedida, o Guia do PC entrevistou o advogado Vinicius Bicalho,  que tem atuação exclusiva em imigração, impostos federais e negócios internacionais, e é sócio-fundador do Bicalho Legal Consulting P.A, escritório especializado em imigração profissional e vistos de investimento para os EUA. No próximo dia 11 de novembro, às 20h (hora Brasil), Bicalho vai realizar um webinar gratuito (as inscrições podem ser feitas aqui) sobre Vistos para Profissionais Qualificados (EB-1A, EB-2 NIW e O-1A), quando explicará o que realmente pesa na análise desses vistos, como conectar a trajetória profissional aos critérios da USCIS e tirar dúvidas ao vivo.

Guia do PC — Em linguagem prática, qual é a diferença de lógica entre o EB-1A, o EB-2 NIW e o O-1A? Quando você analisa um perfil pela primeira vez, o que te faz pensar “esse é caso de EB-1A” ou “esse é mais NIW”?

Vinicius Bicalho — Ao avaliar o perfil, a gente tem naturalmente o histórico da carreira, as conquistas. O perfil do EB1A, que é chamado de visibilidades extraordinárias, são os profissionais que atingiram o topo da sua área, ou seja, a pessoa que está de fato no topo e tem conquistas que evidenciam isso de forma clara, com prêmios, participação em congressos, papel de liderança em organização, artigos, publicações e reportagens, onde a pessoa é usada como referência na sua área. As pessoas que conseguem ter evidências que comprovam isso de forma clara, você olha e fala: é um EB1A. Já no caso do EB2NW, é o profissional de mercado. Eu falo que se a gente fosse olhar a pirâmide, o EB1A é o topo da pirâmide.

O EB2NW é o profissional do meio para cima da pirâmide, mas que o seu plano de continuidade da carreira nos Estados Unidos é relevante para o país. Então, nós temos profissionais com formação acadêmica sólida ou profissionais que nem têm formação acadêmica sólida, mas têm resultados expressivos. Já o A1, ele é um profissional que tem evidências que mostram que a sua reputação é muito boa, evidências que são parecidas com as do EB1A, só que são pessoas que vão ficar temporariamente nos Estados Unidos. Ao contrário do EB1A e do EB2NW, que não é necessário uma oferta de emprego, que o imigrante a gente fala que é self-petition, porque ele mesmo que requer. No caso do A1, não. É uma empresa que faz esse requerimento. Então, existe essa diferença. Mas EB1 e EB2 se diferenciam naturalmente pelo posicionamento. O EB1 é um pouco mais elevado, com evidências de nível mais alto.

GPC — A USCIS lista requisitos objetivos (prêmios, associação, publicação, atuação como juiz, evidência de impacto etc.), mas o avaliador não vê o candidato ao vivo. Como é possível transformar uma trajetória profissional — às vezes com caminhos não lineares — em uma narrativa convincente e alinhada aos critérios?

VB — É importante frisar que eles não avaliam profissões, eles avaliam carreiras. Então, os oficiais estão acostumados com isso, e eles tentam identificar quais são os signos que demonstram sucesso daquela determinada carreira. Avaliar um médico, por exemplo, é diferente de avaliar um atleta ou um artista, e os vícios aplicam para essas duas possibilidades. Então, é muito importante um cliente que trabalhe e busque evidências sólidas. Não basta ter a carreira boa, tem que conseguir demonstrar que a carreira é boa. Eu brinco que é como a mulher de César: não basta ser honesto, tem que parecer. E aí, eu sempre falo que é um trabalho a quatro mãos: cliente com seu advogado, um advogado que vai conseguir descrever essa petição de forma persuasiva, de uma maneira impecável, para encantar o oficial de migração.

GPC — O que a USCIS considera como “impacto” em um caso de EB-1A ou EB-2 NIW? É possível comprovar relevância apenas com publicações e citações ou há espaço para indicadores de mercado, como faturamento, patentes ou liderança em projetos estratégicos?

VB — No caso do EB1A, a questão do impacto está muito ligada às evidências que são descritas na lei. A lei tem o que a gente chama de one-time achievement, que é uma conquista tão grande que não precisa de mais nada, ou você preencher três de dez requisitos e demonstrar que vai ter continuidade da sua carreira, tem um nível de objetividade maior. o EB2NW, como ele tem a questão da importância nacional, o que é importante nacionalmente para os Estados Unidos, o que normalmente o governo quer é que seja uma atuação que traga um impacto positivo para o país e que esse impacto além dos clientes que ele vai atender. Ou seja, alguém que vai elevar o nível naquela área, ou seja, vai puxar a barra do conhecimento do mercado para cima. Então, são pessoas que, de uma maneira ou outra, estão trazendo o nível do seu mercado para um patamar mais alto. É do direito migratório americano querer os grandes profissionais aqui na América.

GPC — No EB-2 NIW, a exigência de demonstrar que o trabalho do candidato tem “substancial mérito e importância nacional” é um dos maiores obstáculos. Como provar que um projeto brasileiro ou latino tem impacto relevante para os Estados Unidos?

VB — Inegavelmente, a questão do mérito substancial e da importância nacional é o ponto mais desafiador do caso. São vários profissionais das mais diversas áreas, ainda que sejam latino-americanos, que têm um impacto nos Estados Unidos. Nós não podemos esquecer que aproximadamente 20% da população dos Estados Unidos é composta por imigrantes; grande parte da mão de obra é composta por imigrantes e que pessoas que conhecem o mercado latino-americano podem ser estratégicas para empresas. Eu gosto de frisar que a Flórida, que é um dos estados mais importantes dos Estados Unidos, é o quarto estado economicamente. Se ela fosse um país, ela teria uma economia muito próxima do Brasil, normalmente em torno de 80% da economia brasileira. Quando a cotação do dólar está com o dólar muito valorizado, chega a ter uma economia equivalente à economia do Brasil. O grande parceiro comercial da Flórida, que se no mundo todo é a China, é o Brasil. Então, ter pessoas que conhecem esse mercado, que dominam esse mercado, pode ser relevante, sim, para os Estados Unidos nas mais diversas áreas.

GPC — As letters of recommendation ainda são um ponto-chave da petição. Quem deve assinar — chefes, mentores, parceiros de negócios? E o que não pode faltar para que elas tenham peso real e não pareçam apenas elogios genéricos?

VB — As cartas de recomendação são documentos extremamente estratégicos, porque alguns documentos são frios, como diplomas, certificados e reportagens; você não consegue trabalhar. as cartas, você consegue trabalhar esse documento e preencher lacunas importantes no caso. Eu falo sempre que uma boa carta de recomendação tem que responder três perguntas: quem é o recomendante? Quanto melhor o posicionamento dele, mais peso você à carta. Como é o ponto de conexão dele com o recomendado, com o imigrante, onde ele conheceu, como eles se conheceram? Isso é muito importante para poder demonstrar qual intensidade essa recomendação vai ter. E, por fim, o que ele conhece do trabalho do recomendado, o que ele pode falar a respeito. Não basta elogios genéricos; ele tem que falar coisas que de fato demonstram consistência e um perfil alinhado com a petição. Então, é um documento muito estratégico para o caso e ajuda demais.

GPC — Empreendedores e líderes de produto, que não têm artigos científicos ou prêmios acadêmicos, também têm chance? Que tipo de evidência costuma ser mais eficiente para comprovar sua influência e contribuição à área?

VB — As evidências dos casos são avaliadas de acordo com a respectiva área. Então, empreendedores e líderes de produto naturalmente não terão uma carreira como um grande acadêmico que tem mestrado, doutorado e publicações, mas ele tem resultado no mercado. E é importante frisar que os Estados Unidos não querem o grande acadêmico só; ele quer as pessoas de mercado que vêm para somar, para elevar o patamar. Então, pessoas que têm bons serviços prestados, empreenderam com sucesso, criaram estratégias, formas novas de negócio e abordagens diferentes no mercado podem naturalmente agregar muito valor nos Estados Unidos. tive casos de empreendedores das mais diversas áreas. Na construção civil, teve um caso de um empreendedor que sequer tinha segundo grau. Ele tinha uma loja de automóveis com acessórios, e um dos acessórios ele até desenvolveu. Ele tinha uma patente. Além disso, tem casos de profissionais que empreendem na área da beleza: cabeleireiros que desenvolveram técnicas e têm um trabalho de sucesso e conseguiram visto e prosperar na América. Então, eu sempre lembro: os casos não são das profissões, os casos são das carreiras, as belas carreiras, carreiras sólidas. Sempre você terá evidências para comprovar sua relevância.

GPC — O visto O-1A é uma via temporária para quem quer trabalhar nos EUA ou pode se tornar um caminho definitivo para o green card? Em que casos vale começar pelo O-1A e depois migrar para o EB-1A ou NIW?

VB — O visto A1 é uma excelente estratégia. Ele é um visto temporário e com evidências parecidas com o EB1, mas, como ele é um visto temporário, não um visto permanente, como o EB2NW e o EB1A, a gente percebe com clareza que o nível de exigência do oficial é mais baixo. Uma coisa é avaliar a evidência para um visto temporário, outra coisa é avaliar para um visto definitivo. Contudo, ele acaba sendo uma ponte a um pedido de green card futuro. Por mais que não seja vinculativa, a decisão de um oficial de imigração que aprova o visto A1 para um EB1 ou um EB2 no futuro tem um peso muito grande, porque você terá um reconhecimento de um oficial de imigração que você é um profissional de habilidades especiais. Então, naturalmente, essa decisão anterior, por mais que ela não seja vinculativa, ela tem um peso muito grande em um caso subsequente.

GPC — O que mudou na análise da agência americana nos últimos 12 meses? Quais critérios estão mais rígidos — e onde há maior flexibilidade, especialmente em áreas de tecnologia, inovação e IA?

VB — Existe um sentimento geral de que os critérios ficaram mais rígidos. Profissionais das áreas de STEM, que são ciência, tecnologia, engenharia e matemática, são profissionais muito desejados, mas, como eu disse algumas vezes, os casos são das carreiras e não das profissões. Esse sentimento de que os casos se tornaram mais rigorosos, ele se pelo seguinte fato: anualmente, o governo americano tem uma cota de 40 mil vistos EB1 e 40 mil vistos EB2. Portanto, é uma quantidade limitada. Isso em qualquer processo seletivo, colocando seletivo” entre aspas, se você tem 40 mil vagas e tem 45 mil candidatos, o seu nível de exigência vai ser muito baixo. Agora, como a procura pelos vistos vem sendo enorme nos últimos anos, o governo americano tem uma oferta muito grande. Então, ele pode se dar o luxo de ser mais rigoroso, tendo em vista que ele tem um número de candidatos muito superior às vagas disponíveis.

GPC — Quais são os erros mais comuns em petições preparadas sem acompanhamento especializado e que frequentemente resultam em RFE (Request for Evidence) ou negações?

VB — Os erros mais comuns das pessoas que não têm um acompanhamento especializado são achar que a simples leitura da lei, sem o conhecimento jurídico e técnico, faz com que você entenda exatamente o que o governo quer. Normalmente, as petições feitas por quem não tem conhecimento jurídico ela se baseiam em muitos elogios vazios, um volume grande de cartas de recomendação, mas sem nenhuma técnica. Pessoas que, muitas vezes, são apaixonadas por sua carreira, mas não conseguem fazer a conexão entre o que elas fizeram, o que elas pretendem fazer e os requisitos do processo migratório. Então, esse divórcio da técnica faz com que poucas pessoas que façam sua própria petição tenham sucesso. Obviamente, conheço alguns casos, mas conheço um número infinitamente maior de pessoas que, tendo excelentes carreiras, se aventuraram a fazer o caso sozinhas e, infelizmente, não tiveram sucesso. Então, é muito importante pensar na estratégia do caso como um todo. O processo ele fala muito mais sobre resultados do que sobre adjetivos soltos e vazios.

GPC — Para quem sonha em morar nos EUA, qual seria um “roteiro estratégico de um ano” para se preparar — o que publicar, quais projetos assumir, que eventos ou premiações buscar antes de iniciar o processo com um escritório?

VB — Mas o ponto mais importante para quem deseja morar nos Estados Unidos é documentar e registrar todos os pontos relevantes e os méritos da sua carreira. Se expor, o profissional de sucesso nos Estados Unidos ele se expõe a prêmios, publicações, reportagens, participação em eventos, papel de julgador como bancas, processos de seleção de startups ou bancas de TCC, mestrado. Então, eu percebo que, principalmente no Brasil, muitos excelentes profissionais têm uma carreira muito comedida e discreta, até pela questão cultural. No Brasil, muitas vezes as pessoas falam que quem está tendo sucesso demais está fazendo alguma coisa errada. E isso faz com que muitos profissionais prefiram a discrição. nos Estados Unidos, a pessoa de sucesso exibe as suas conquistas. Então, é importante registrar todos os pontos relevantes da sua carreira, as suas conquistas, os méritos, para que você tenha evidências fartas na hora do processo migratório.

Você também vai gostar

Leia também!